Os berçários particulares e o discurso capitalista (mestre): Qual saber necessário para um bebê?
Camila Zanata - Psicóloga e Psicanalista - Sorocaba - SP

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Os berçários particulares e o discurso capitalista (mestre): Qual saber necessário para um bebê?

Este artigo se propõe a realizar uma reflexão acerca dos saberes necessários aos educadores que se ocupam do trabalho com bebês em berçários privados.

O interesse por esse tema surgiu quando assumi a coordenação de um Berçário que recebe bebês de 0 a 3 anos, na cidade de Sorocaba/SP/Brasil.

A realidade dos bebês que frequentam berçários indica que eles passam mais tempo nesse ambiente do que no meio familiar, pois permanecem, em média, de 8 a 12 horas diárias fora de casa, em um ambiente coletivo. Assim, a função do educador torna-se decisiva para a construção do sujeito. É muito importante, portanto, pensar em qual base discursiva apoiam-se os profissionais que estabelecerão uma relação com o bebê.

À medida que fui ocupando esses espaços e ouvindo pais e profissionais, algumas demandas e perguntas foram tornando-se espantosas e angustiantes, tais como: “mantemos a quantidade de oito atividades pedagógicas diárias?”, “continuamos fotografando todas as atividades para enviar semanalmente aos pais?”, “quando será a apresentação de dança dos bebês no dia das mães/pais?”, “nas outras escolas tem apresentação, por que aqui não?”, “tem aula de balé/música/inglês para os bebês?”, entre tantos outros exemplos.

É muito comum algumas escolas e pais mostrarem-se extremamente propensos a valorizar e privilegiar a exacerbação de conteúdos e número de atividades que o bebê executa, deixando de fora o que realmente importa na constituição psíquica nos primeiros anos de vida.

Considerando que os berçários são uma realidade na vida dos bebês contemporâneos, é urgente um olhar cuidadoso, que interrogue o tipo de propostas esses espaços possuem para acolhê-los e por quais saberes estão orientados os profissionais. Faz-se necessário pensar também o lugar que o berçário ocupa na sociedade contemporânea, pois a educação com ofertas variadas de produtos no mercado gera os piores efeitos nas práticas discursivas educacionais, principalmente, no que se refere à educação de bebês.

Lacan afirma que a posição discursiva define a realidade, constituindo formas particulares de estabelecimento de laços sociais. “No contemporâneo há uma tendência à substituição dos laços sociais por tudo aquilo que poderia ser coisificado, anulando o encontro com o outro e desfazendo o laço social ao invés de enlaçá-lo, ratificando a ideologia do lucro” (Soler, 2011).

Segundo Mariotto, a educação no discurso capitalista é “ter o mercado como o agente do laço entre o sujeito e a produção de conhecimento redimensiona o lugar de ambos”. “Transformar a educação num bem de consumo retira desse ato sua condição de dispositivo simbólico de engendramento de um ser de linguagem capaz de inscrever seu lugar na cultura.” (Mariotto, 2009, p.92).

A educação no discurso capitalista transcorre de modo preocupante. Segundo Soler, esse é o discurso contemporâneo do discurso do mestre. Qual o risco de submeter um bebê num ambiente em que predomina tal discurso? O risco é dificultar ou até mesmo impedir que o laço se constitua, impedindo, portanto, que a constituição subjetiva da criança aconteça.

Cabe à Psicanálise interrogar sobre os efeitos dos laços estabelecidos com base nesse discurso e sustentar um discurso diferente do capitalista e do pedagógico, que evidenciam a “primazia do ‘como fazer’, em detrimento do ´fazer para quê’” (Mariotto). É imprescindível que as instituições de ensino estejam apoiadas numa prática que possa fazer vigorar a importância de construir laços constitutivos com o bebê, inscrevendo nele marcas primordiais, humanizando-o, desbiologizando o corpo e oferecendo significados e interpretações de mundo ao pequeno ser.

Nesse sentido, o saber do analista, advertido das exigências do mercado e da publicidade, ao não responder a tais demandas, pode promover um enlaçamento constitutivo entre pais, educadores e bebês, propondo uma articulação entre singular e coletivo; biológico e simbólico; presença e ausência.

Neste trabalho, a partir da experiência do Berçário supracitado e à luz da psicanálise, primeiramente descontruímos a ideia de um espaço regido pela necessidade de exigir a produção de alguém, já que a constituição subjetiva ainda não estava dada, e passamos a valorizar o processo e o percurso de construção da montagem do sujeito como condições necessárias que possibilitam a subjetivação.

Iniciamos a mudança promovendo reflexões sobre ser educador e ser bebê. Retiramos a exigência apressada da rotina, da necessidade de ter de promover de oito a nove atividades diárias fotografadas. Os momentos de cuidados (banho, trocas, alimentação, sono) passaram a ser vistos como espaços privilegiados para a singularização do laço e do brincar constituinte, considerando preferências e ritmos, decodificando a linguagem dos bebês, qualificando a interação e a comunicação e dando sustentação para a construção da identidade e autonomia da criança.

A proposta apresentada foi valorizada tanto pela instituição quanto pelos pais.

Como resultado deste trabalho, organizamos uma Mostra intitulada: Sujeito em Construção: O Eu, o Outro e o Mundo. Foram documentadas informações sobre os marcadores do desenvolvimento, como forma de valorizar o percurso dessa importante construção subjetiva, tais como: reconhecimento do nome, reações ao mamanhês, sorrisos, jogos corporais, fazer gracinhas, beijinhos, tchauzinho, novos alcances motores, balbucios, palavrinhas, preferências pelos cuidados e cuidadoras, sabores preferidos, entre tantos outros marcadores primordiais. Os pais, que em sua grande maioria exigiam apresentações de danças, puderam validar e se encantar com o avesso dessa exigência: a precária autoria dos bebês e a potencia do laço, tão importante para o percurso e montagem da construção humana.

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